Tadao Ando é atualmente um dos grandes nomes da arquitetura japonesa, conhecido também por seu engajamento político, preocupação ambiental e valorização dos espaços culturais. Abaixo, um pouco da sua personalidade rebelde e carismática.
"Tadao Ando é uma
figura enérgica. Dizem que não gosta de ser fotografado sem consentimento. E,
de fato, munido de uma câmera de bolso em sua passagem por Milão, em abril, o
septuagenário e consagrado arquiteto japonês direcionou seu flash para cada
fotógrafo intruso que identificou nas cerca de sete horas de apresentações para
a imprensa, como quem devolve na mesma moeda um ato invasivo.
O
senhor menciona a ideia do belo, do espaço sagrado, desde o início da sua
carreira. O que considera belo, depois desses anos de atuação?
O
belo existe mesmo onde não se vê, é a atitude de esmero em se fazer algo. Em
todas as áreas, há pessoas atentas ao mínimo detalhe de seus trabalhos.
Considero, estando aqui em Milão [na semana de design], que arquitetura e moda
são vizinhas nesse sentido, igualmente preocupadas com a perfeição.
Independente
do contexto, do lugar?
Há
diferenças não só de país, mas de tipo de projeto também. Em Veneza [no projeto
do Museu Punta della Dogana, inaugurado em 2009], por exemplo, havia a questão
do restauro. Há sempre muitas críticas quando se intervém num monumento
histórico, as proibições são de toda ordem. Mas foi alto o nível de elaboração
manual, em paralelo com a seriedade da restauração do palácio.
Além
da influência confessa de Le Corbusier, que o motivou a se tornar arquiteto,
que outras pessoas foram determinantes no seu modo de trabalhar?
Posso
citar, por exemplo, Carlo Scarpa. Palladio também, ele representa a grandeza de
uma época.
Qual
a sua expectativa com relação ao desenvolvimento futuro da arquitetura?
Vão
continuar fazendo belos palácios, assim como toda a sorte de museus. Mas
devemos nos preocupar também com a preservação.
E
da sua arquitetura?
O
momento é de resistir contra essa coisa de arquiteto business. Fazer o belo
depende de desenvolvimento gradual, a criação ocorre passo a passo,
semanalmente. Não se inventa algo assim, de repente, e sem esforço.
Quais
as novas frentes de trabalho abertas em seu escritório?
Temos
muitas propostas na China [na semana seguinte a esta entrevista, o arquiteto
partiria para Xangai, em viagem de negócios], em Taiwan e Coreia. Devemos
pensar no que dedicar energia na Ásia, incluir a preservação em nossas
preocupações. Mas o mais importante é que desejo preservar a alta qualidade do
meu trabalho. O fundamental é haver respeito.
Em
diversas oportunidades o senhor manifestou apreço pela sensibilidade japonesa.
O que muda em seu diálogo com as culturas de outros países, nos trabalhos que
são desenvolvidos na Europa, por exemplo?
O
importante é haver a cultura necessária ao estudo, ao desenvolvimento sólido da
vida. É essencial que se possa estimular a sensibilidade estética.
O
que mudou na cultura japonesa desde o pós-guerra? Refiro-me às catástrofes
recentes, entre elas terremotos e vazamentos nucleares.
Há
uma nova fase, diferente do consumo direto de mercadorias.
...
Tem
algum sonho ainda não realizado, a conquistar com a sua arquitetura?
Sonho
com manter a qualidade do meu trabalho.
...
Museus
são um programa especial para a sua arquitetura. Qual a importância, para o
senhor, de organizar uma exposição sobre esses espaços?
Não
estamos falando apenas sobre museus nesta exposição. Estamos falando sobre
lugares de exibição da cultura.
...
Em
2010, foi lançada no Brasil a sua autobiografia. O que o motivou a reunir em
livro pensamentos sobre o seu trabalho e a sua vida?
Como
você deve saber, esse livro foi lançado no Japão inicialmente, só depois houve
o lançamento no Brasil. Pensei que poderia estimular os jovens leitores se
reunisse um pouco da minha vida e da minha experiência nessa publicação. A
intenção foi favorecer a emergência de novas ideias.
Seu
trabalho - com formação autodidata - foi cedo reconhecido. Com pouco menos de
dez anos de atuação, em 1978, por exemplo, sua produção já fazia parte da
exposição Uma Nova Tendência da Arquitetura Japonesa, que Kenneth Frampton
organizou em Nova York. A que o senhor credita esse fato?
Naqueles
anos eu estava buscando ideias para a minha arquitetura, fazendo contatos.
Acreditava que era esse o caminho certo a ser seguido para dar forma aos meus
pensamentos, à minha arquitetura. Fui reconhecido.
...
Há
alguns anos, durante a comemoração do centésimo aniversário de Oscar Niemeyer,
o senhor respondeu prontamente solicitação da PROJETO DESIGN para que
formulasse algum pensamento sobre a obra do arquiteto carioca. O que o senhor
admira no trabalho de Niemeyer?
Ele
fez parte de uma época em que o Brasil estava se desenvolvendo rapidamente, o
país tinha urgência em abrir novas áreas urbanas. E Oscar Niemeyer teve papel
muito importante nesse contexto, não apenas ele, mas Lucio Costa também.
Diferente da arquitetura moderna, a de Niemeyer tem muitas curvas, mesmo hoje
vemos esse tipo de forma nos trabalhos dele. Niemeyer teve grande imaginação no
modo de se inserir num novo tipo de cidade, numa nova tecnologia.
...
O
senhor esteve envolvido com a candidatura de Tóquio para sediar os Jogos
Olímpicos de 2016, traçando as linhas gerais do master plan que buscava
reocupar o centro da cidade através da revitalização e interligação de grandes
áreas verdes. Houve alguma evolução desse trabalho, mesmo que a cidade tenha
perdido a candidatura para o Rio de Janeiro?
Fui
chamado para elaborar o master plan de 2016 ainda na fase de pré-seleção das
cidades. O Japão não conquistou o direito de sediar os Jogos em 2016, mas,
neste momento, estamos tentando novamente para 2020. O restabelecimento de
áreas verdes originais é um dos temas desse trabalho, tem a ver com a análise
do desenvolvimento das cidades e com a criação de edifícios que se relacionem
com a natureza. Nós podemos reconquistar o ambiente natural, trazê-lo de volta
para as nossas cidades.
O
senhor tem mencionado com frequência a questão da recuperação do verde nas
cidades. A que se deve esse ativismo?
Meu
ativismo é para transformar colinas abandonadas em florestas novamente. Não
apenas no Japão, mas também na Itália e em outros países em todo o mundo. É
algo possível de se fazer, aos poucos, e certamente trará nova condição para as
cidades.
Qual
a proporção atual em seu escritório entre trabalhos no Japão e no estrangeiro?
Cerca
de 80% dos trabalhos atuais são fora do Japão. Todos os anos eu recebo por
volta de cem pedidos de novos projetos, mas não tenho tempo para atender nem
uma pequena parte disso. Eu trabalho muito, tenho que escolher bem na hora de
aceitar um novo projeto.
...
O
senhor mencionou certa vez que seu escritório havia chegado ao limite máximo de
funcionários, 25. Conseguiu manter essa marca mesmo desenvolvendo tantos
trabalhos no exterior?
Não,
hoje somos 30 [cada arquiteto é responsável, em média, pelo desenvolvimento de
oito projetos. Além disso, a curadoria e a produção das exposições do trabalho
de Tadao Ando são feitas totalmente por sua equipe de arquitetos].
As
artes plásticas são referência para o senhor? Que artistas o senhor admira?
Como
você deve saber, estou criando a casa de Damien Hirst e também a de Bono Vox.
Nesses casos, e para essas pessoas, eu busco estímulos diferentes.
O
senhor é figura popular no Japão, influente além do domínio restrito da
arquitetura. Como encontra tempo também para esse tipo de ativismo?
Sempre
que posso eu contribuo com diferentes discussões em meu país.
Tem
em vista algum projeto ou proposta de trabalho no Brasil?
Gostaria
de levar uma exposição sobre o meu trabalho, como essa que você viu hoje pela manhã,
para o Museu Oscar Niemeyer. Até já fiz a proposta. De qualquer forma, ir para
o seu país é algo desafiador para mim.
O
que resta da sua prática esportiva? O senhor parece muito bem disposto aos 71
anos de idade, trabalhando muito e cumprindo agenda intensa de compromissos.
Não o vi parar nem um minuto desde as 11 da manhã, e já passam das 4 da tarde.
Eu
me exercito diariamente, o que faz com que eu me sinta muito bem. Não sinto
necessidade de diminuir o ritmo de vida. Quero continuar trabalhando ainda aos
90 anos ou mais. É com a arquitetura que eu posso enfrentar as dificuldades do
mundo."
(Fonte
Revista Arcoweb – online)
O endereço deste blog vai ser mudado para www.mariliafleury.blogspot.com