quarta-feira, 25 de julho de 2012

Marcos Boldarini e a arquitetura social






A arquitetura de Marcos Boldarini vai além do atendimento a clientes que desejam imóveis bonitos e funcionais, voltando-se, principalmente, para comunidades carentes e seus espaços coletivos.

Seu reconhecimento chegou ao ponto de um líder comunitário ter pedido que uma intervenção na comunidade fosse projetada por você. Onde ocorreu isso?
Não participei diretamente do episódio, mas sei que ocorreu no âmbito da Secretaria Municipal de Habitação [Sehab]. Tomei conhecimento por intermédio de um jornalista, que ouviu a história em uma conversa que teve com Elisabete França [arquiteta e superintendente de Habitação Popular da Sehab], ela relatando um diálogo que tivera com esse líder. Também tenho bastante curiosidade e gostaria de saber quem é. Pode ser que tenha acontecido na área da margem oposta [da represa Billings] à do Cantinho do Céu. Estamos trabalhando num bairro chamado [Jardim] Pabreu e já tínhamos escutado de alguns moradores que seria muito interessante a comunidade ter o mesmo tratamento, com o padrão e os diferenciais que foram aplicados naquele projeto de urbanização. Fomos convidados a participar do desenvolvimento do projeto do Pabreu em função de uma possível continuidade com o Cantinho do Céu.
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Você foi cursar arquitetura na FAU/Brás Cubas também em razão do grupo de professores que lá davam aulas. Por que esse interesse?
Sempre me fascinou a questão da cidade, a questão dos fluxos e das diversidades dos usos, e foi esse interesse pela cidade que, de fato, me aproximou da arquitetura. Quando decidi ingressar na faculdade fui para a Universidade Brás Cubas por causa do grupo que estava lá naquele momento, num curso que era coordenado por Ciro Pirondi. E foi gratificante: para mim, um dos aspectos mais interessantes da universidade era a proximidade dos alunos com os professores, a qual considero tenha sido muito salutar. Ao terminar o curso, a sequência natural era montar um escritório. Um ano depois de formado fiz isso, mesmo sem ter projeto. Éramos três sócios: Ronaldo Pezzo, Eulalia Portela e eu. Era um pouco romântico. Não tínhamos trabalho, mas como cada um tinha uma atividade complementar, íamos nos bancando. Mas foram três anos trabalhando de portas fechadas.

Apesar de você ter apontado o nome de arquitetos na sua época de faculdade, aparentemente a arquitetura habitacional de baixa renda produziu pouca coisa expressiva. Você concorda com essa análise? Em que momento isso mudou?
Não sou, efetivamente, um estudioso da habitação e, por isso mesmo, teria um pouco mais de cuidado para afirmar se a produção desse período foi ou não pouco expressiva. O que acredito é que, nesse momento, temos o início de uma construção de reflexões e de conceitos e de uma aceitação por parte da sociedade da importância e do reconhecimento do tema. Começamos com urbanizações menores, não tão expressivas, mas já com questões conceituais interessantes e com diversidade na produção de habitação ou urbanização. Hoje, o país vive um momento econômico completamente diferente, com o reconhecimento da importância de políticas que atendam a essas questões e deem conta de suprir os déficits que a cidade apresenta. Estamos vindo num crescente, talvez interrompido por um momento na gestão de Paulo Maluf com os Cingapuras. Mas nessa mesma gestão o Programa Guarapiranga vinha se desenvolvendo. Por isso acredito que estamos num crescente, numa soma de propostas, conseguindo pactuar e consolidar experiências com questões mínimas a serem atendidas. Quando você chega a uma fase em que uma comunidade exige o nome de um arquiteto ou uma maneira de atuar, isso me parece a expressão da consolidação de um momento, de uma prática, de um fazer, e que não se aceita por menos que aquilo.

Você citou São Paulo e algumas cidades da região metropolitana onde estariam sendo desenvolvidas experiências urbanístico-arquitetônicas interessantes. No âmbito do estado, a CDHU parece não ter incorporado o valor da arquitetura. A cunha cravada pela Sehab pode ter alguma repercussão na atuação estadual e no governo federal, no programa Minha Casa, Minha Vida?
Em reportagem publicada recentemente [esta entrevista foi realizada no início de janeiro], o governador [Geraldo Alckmin] expressou o desejo de mudança com relação ao perfil de atuação da CDHU. A companhia não seria mais um promotor, mas um financiador. Não tenho acompanhado isso de perto, mas considero que no âmbito estadual, e até mesmo no federal, não temos uma produção com a qualidade da dos municípios. Tivemos um momento interessante com o concurso para as novas tipologias da CDHU, mas não sei como isso caminhou, pois não participei. Pareceu‑me que era uma oportunidade de reflexão, de mudança. De qualquer forma, não me agrada a utilização de soluções prontas para os lugares. A possibilidade de trabalhar numa aproximação, reconhecimento e análise mais próxima, caso a caso, me parece ser um caminho desejável por todos os arquitetos. Compreendendo sempre a questão de que a atuação deveria ser uma reflexão sobre como construir ou reconstruir a cidade de fato - algo que não observamos em alguns projetos do Minha Casa, Minha Vida -, na diversidade dos usos, na questão das continuidades urbanas, das conexões, das inter-relações, enfim.

Por que a arquitetura desenvolvida pelo seu e por alguns outros escritórios começa a chamar a atenção fora da mídia especializada?
A prefeitura [de São Paulo] tem estimulado o desenvolvimento de projetos que tenham na arquitetura um elemento importante a ser prestigiado. Projetos mais recentes - de escritórios como o de Mario Biselli, Andrade Morettin, Una, MMBB, Marcelo Suzuki e os que desenvolvemos - têm procurado soluções que valorizam o espaço público, coletivo, e trazem um desenho que estabelece, de fato, uma relação com a cidade, sendo específicos para cada local. É preciso trazer respostas adequadas para as questões que estão sendo apresentadas. Somada à qualidade desses arquitetos - que fariam bons trabalhos em qualquer caso -, essa situação mostra que bons projetos produzem boas obras. E que boas obras podem ser realizadas com poucos recursos. Quanto aos elementos que temos buscado, talvez se trate de um resgate de questões já resolvidas na arquitetura brasileira: as circulações externas, como varandas, a reutilização de parte da cobertura como espaço coletivo, o destaque dado ao espaço comum, a diversidade de usos. Além da valorização das condições dos terrenos e suas interfaces e articulações, por exemplo, nas áreas dentro de favelas. Vivemos um momento especial nos últimos anos com o convite a esses escritórios, com a liberdade para apresentar propostas novas, dentro, é óbvio, dos limites que a política habitacional coloca.

Você tem visto soluções interessantes em outros estados?
Nesse momento, acredito que São Paulo esteja à frente em qualidade. É um reflexo das oportunidades que temos tido, e verificamos isso em palestras com pessoas do Rio de Janeiro, do Sul do país ou mesmo do Norte. Em qualidade e quantidade, acredito que São Paulo tem dado contribuições importantes, não só sob o ponto de vista da produção habitacional, mas também do desenho de espaços públicos, da infraestrutura. Espero que consigamos consolidar esse momento como o de um padrão mínimo e avançar a partir do que está sendo produzido agora. Sempre há - e deve haver - espaço para críticas, para reflexões e para mudanças, até para que não se crie uma abordagem única sobre o tema. Espero que se consiga avançar com a continuidade de políticas que compreendam e analisem aquilo que há de qualidade no trabalho desenvolvido até agora, mesmo que com bandeiras partidárias diferentes. Alguns elementos da gestão de Marta Suplicy foram incorporados na de [José] Serra, e ficaram para [Gilberto] a de Kassab. Espero que, independentemente de quem ganhe as eleições, as boas práticas continuem.

Como você avalia a produção dos conjuntos habitacionais como os Cingapuras? Há alguma solução para esses modelos?
Teremos que conviver ainda por um tempo com essa situação. Não chegaremos tão breve à possibilidade de demolir os conjuntos, como alguns países europeus têm feito, mas devemos tentar evitar a reprodução do modelo, que ainda vem ocorrendo em algumas situações, em algumas obras no governo do estado de São Paulo, em outras cidades. Em outros estados e em algumas experiências do Minha Casa, Minha Vida existe ainda um pouco dessa solução no atacado.

No caso dos programas habitacionais, o cliente é quase sempre o Estado, mas o usuário é o morador. Como é a relação do seu escritório com esse ocupante?
Nesse momento, estamos fazendo uma reflexão sobre como deve ser a metodologia para essa abordagem. Nós nos consideramos um ponto no meio de uma linha e o que fazemos é nos aproximar de outros pontos para a compreensão daquilo que é importante. Temos procurado desenvolver uma maneira de nos aproximar das comunidades para estabelecer uma troca de informações, não só sob o ponto de vista do que servirá de subsídio para o projeto, como também para transmitir aos interessados qual é o processo, quais suas etapas e como ele ocorre. Em algumas áreas estamos procurando construir o canal de diálogo a partir de locais específicos dentro da comunidade. É o caso dos projetos de urbanização do Pabreu, em São Paulo, e do Areião, em São Bernardo do Campo. Essa prática não é inovadora e há escritórios que trabalham com metodologias participativas, mas estamos achando um meio do caminho para aquilo que possa ser interessante e que dê o resultado e o retorno que esperamos como subsídio para o projeto.

Como é o desenvolvimento de um projeto de urbanização em comunidades carentes? Procura-se antes fazer um diagnóstico dos problemas?
Prefiro usar o termo leitura técnica ou leitura socioespacial. O arquiteto urbanista precisa fazer uma leitura do local. Há lugares que apresentam questões específicas - o Cantinho do Céu é um deles. Ali a paisagem natural possui uma beleza ímpar. Numa primeira aproximação com moradores e lideranças comunitárias, percebemos, porém, que a comunidade não reconhecia o local, do ponto de vista da paisagem, como algo tão expressivo quanto era para nós, que chegávamos ali como visitantes. Então, além de todos os pré-requisitos colocados pela prefeitura, o projeto tinha o desejo de promover a integração tendo aquela paisagem como protagonista. A oportunidade de trabalhar um espaço público que articula e aproxima a comunidade do reservatório era uma questão específica para aquele projeto, completamente diferente de abordagens que concebemos em outras situações. No Cantinho do Céu, o projeto se desenvolveu a partir de estudo básico elaborado pela prefeitura, que propunha a consolidação do assentamento, sob parâmetros e critérios que estavam estabelecidos na política pública. Fomos convidados a atuar no processo de urbanização que estava licitado e verificamos a possibilidade de algumas mudanças que nos pareciam importantes para qualificar o espaço. A presença do parque é muito forte, mas na verdade é um projeto de urbanização do qual o parque é um elemento.

A formação nas escolas estimula o profissional a atuar no segmento de urbanização e habitação social?
Hoje em dia, sim. Tenho notado uma grande quantidade de trabalhos de graduação que têm a urbanização e a habitação social como temas. Há algumas escolas trabalhando esse tema na pós-graduação. A Escola da Cidade, por exemplo, deve estar indo para a terceira ou quarta turma de um curso de habitação em cidade, com o qual colaboro, orientando o ateliê. Recentemente fui convidado pelo Senac para participar de um simpósio para debater as questões das áreas de risco e, no meu caso específico, sob o viés da intervenção em locais mais críticos. Esse é um tema da pauta, tanto da mídia como das escolas e das pesquisas de arquitetura, e é importante que consigamos dar respostas para o problema. Em São Paulo há hoje 1.600 favelas, quase mil loteamentos irregulares, um contingente de cerca de 3 milhões de habitantes morando com algum tipo de irregularidade, seja ela jurídica ou uma condição de precariedade física, com problemas urbanos.

O arquiteto Haroldo Pinheiro, presidente do CAU/BR, disse que o conselho pretende que o arquiteto volte a se envolver com a obra. Há espaço para isso no urbanismo e na habitação de baixa renda?
Há, e é necessário recuperar o espaço que os arquitetos perderam no canteiro de obras, até para que verifiquem se as soluções desenhadas por eles devem ser aperfeiçoadas. Não vejo um processo de urbanização de favelas ou de construção de um conjunto habitacional sem a participação cotidiana do arquiteto. Há uma série de decisões que os arquitetos têm que tomar no tocante ao espaço. Acho mesmo que nesses projetos nossa participação é ainda mais necessária que em outros nos quais há um detalhamento mais específico. Em alguns casos, num processo de urbanização, só é possível avançar com a presença efetiva e cotidiana do arquiteto, porque em algumas situações os projetos são quase desenhos de referência. A maneira de capturar a informação é estar ali. É um fazer e refazer constantes. Em nossos projetos temos feito esse acompanhamento. Isso ocorreu no caso do Cantinho do Céu e mesmo numa experiência na favela de Paraisópolis [comunidade localizada na zona sul da capital paulista], num edifício pequeno de uso múltiplo, inserido dentro de uma área de urbanização. À medida que o trabalho vai avançando, as adequações são necessárias e, por isso, acredito ser inevitável o retorno do arquiteto ao canteiro de obras.

(Fonte: Revista Arcoweb)

Este endereço vai ser mudado para www.mariliafleury.blogspot.com




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