domingo, 25 de dezembro de 2011

Dominique Perrault e a vida nas cidades

Dominique Perrault, pós-graduado em planejamento urbano e em história,  é autor de trabalhos como a Biblioteca Nacional da França (Prêmio Mies van der Rohe 1996) e a reestruturação de uma ala do Palácio de Versalhes, atualmente em desenvolvimento. Leia, abaixo, trechos da entrevista publicada na revista Arcoweb:
"O senhor mantém um laboratório de ideias no seu escritório. Qual o seu propósito?
O laboratório atua em dois eixos de investigação. Um relacionado a materiais, especificamente sobre os tecidos metálicos que desenvolvemos há 20 anos. Nesse ínterim, o produto se tornou bastante conhecido pelo mundo, aqui no Brasil vi vários exemplos de sua aplicação, mas o que continuamos a investigar são outros tipos de trama, o uso combinado com papel ou bambu, coisas desse tipo. Esse lado, então, é o de um ateliê de arte aplicada. O outro é o trabalho que incide sobre a metrópole, sobretudo sobre a questão da vida nas cidades de hoje. Nós nos interrogamos acerca do que é a vida na arquitetura contemporânea, no urbanismo, enfim, interessa-nos saber como podemos trabalhar com o conceito de vida nos nossos projetos. Pesquisamos aspectos como a felicidade e a infelicidade relacionados à vida nas metrópoles. É, acima de tudo, um trabalho de natureza intelectual.
(...)
Qual a origem desse tipo de pesquisa em sua trajetória?
Começou há muito tempo, de fato, mas não de uma forma estabelecida e organizada. A origem é o projeto da biblioteca [Nacional da França, em Paris], um projeto que manipula vida e espaços abertos em grande escala e que, aos poucos, foi se tornando um trabalho teórico, de reflexão sobre a arquitetura.
Esse tipo de relação entre a arquitetura e a vida nas cidades é o tema abordado no livro Metrópolis?
Sim, é uma parte dele. O que desenvolvemos em complemento foi a ideia de conceber um mapa da metrópole, que não é um mapa tradicional, político, administrativo, econômico ou social, mas que trata do território atual das metrópoles francesas. Efetivamente, é uma mistura de uma série de questões, como paisagem, arquitetura, sociedade, política, cultura e economia.
É esse também o objeto da exposição Metrópolis?, que participou da Bienal de Veneza e está sendo reprisada na bienal paulistana?
Exatamente. Pensando na questão da vida nas metrópoles, percebemos que há muito espaço livre nas cidades, muito mesmo. Cerca de 95% dos territórios é livre, há apenas aproximadamente 5% de espaços efetivamente edificados. São espaços abertos e frágeis, que podem ser destruídos com facilidade, porque não há como compreendê-los por meio de quaisquer indicadores de qualidade. São, resumidamente, espaços públicos.
Como, por exemplo, a relação que as esplanadas e a passarela de pedestres estabelecem entre a Biblioteca Nacional de Paris e o vizinho parque de Bercy?
Sim, há uma ligação bastante forte entre os espaços abertos e a arquitetura lá. Muitas pessoas utilizam a esplanada da biblioteca para seguir em direção a Bercy. Essa ligação já existia anteriormente, na época em que projetei a biblioteca, mas hoje ela acontece através de uma bela passarela.
Quais os eixos estruturantes desta exposição Metropólis?, que o senhor apresentou em São Paulo?
Foi uma exposição feita em parceria com o cineasta Richard Copans. Pedi a ele para filmar a vida nas cidades, e a ideia era ensaiar uma apresentação da metrópole como substância urbana, algo físico. Não me interessavam os aspectos gráficos, planos, esquemas, dados, tampouco a visão isolada da arquitetura como objeto. O que eu tinha em mente era retratar a transformação da cidade histórica, um processo que resulta da aparição de vida nessas cidades e também da coexistência com outros centros. A mistura e a simultaneidade de atores é que criam a substância de um novo território, uma nova geografia da vida contemporânea. Não se trata do tipo de relação simples, binária, entre uma cidade histórica e a periferia. Há também as ligações entre a cidade e a paisagem. O que quisemos mostrar, então, não só relacionado a Paris mas também a outras cidades, do norte, sul e de outras regiões, é que a metrópole é um novo tecido urbano, com novas qualidades de espaços urbanos, que precisamos descobrir ainda. O filme é uma espécie de passeio pela metrópole. Antigamente filmávamos a cidade histórica, mas, dessa vez, quisemos filmar a metrópole contemporânea.
Como se deu a escolha da locações?
Partimos dos locais do projeto Grande Paris, encomendado pelo presidente Nicolas Sarkozy. A partir dele, propusemos estender a questão da vida urbana para outras grandes cidades, como Paris, Marselha, Nantes e Bordeaux. A ideia foi relacionar as estratégias do Grande Paris com as das metrópoles regionais.
O que se passa atualmente com o projeto Grande Paris? Ele está sendo desenvolvido?
É um projeto muito complicado, principalmente por questões econômicas. São grandes as diferenças entre as cidades, Paris tem regiões pobres e outras muito ricas convivendo no mesmo território. E, além desse desequilíbrio econômico, há também diferenças políticas. Então, quem dirige o Grande Paris? É um projeto que vai demandar ações estruturais para que, aos poucos, se realizem mudanças políticas e econômicas. Enquanto isso, a ideia é focar na reflexão sobre o projeto urbano, imaginar a cidade e os arranjos de diversos territórios, que são a base do projeto. É o inverso de pensar a fragmentação do território e, então, destinar a cada arquiteto ou urbanista a tarefa de apresentar propostas para áreas específicas. Ao contrário, os arquitetos trabalham independentemente na elaboração de projetos pontuais e, a partir deles, nós criamos o mapa da Grande Paris. Para nós, arquitetos e urbanistas, é uma grande oportunidade de trabalho.
Nós nos interrogamos acerca do que é a vida na arquitetura contemporânea, no urbanismo, enfim, interessa-nos saber como podemos trabalhar com o conceito de vida nos nossos projetos. É, acima de tudo, um trabalho de natureza intelectual
E como foi a experiência de trabalhar como produtor de cinema?
É preciso ter dinheiro. Parte do nosso trabalho foi conseguir o financiamento do Ministério da Cultura e das Relações Estrangeiras, mas, no plano intelectual, o que ocorreu foi uma troca de ideias entre um arquiteto e um cineasta. Produtor é mais um título genérico, que trata dessa relação entre os dois profissionais.
O cinema é uma ferramenta criativa para você pensar a arquitetura?
Sim, é ótimo revelar a arquitetura através do cinema.
Sua pós-graduação em história ajuda, de alguma maneira, a compreender as cidades contemporâneas?
Acho que sim. Estudei a fabricação das cidades dos séculos 18 e 19 porque queria desenvolver um olhar em direção à cidade de hoje. Esses estudos me deram, então, instrumentos para uma análise urbana, não apenas histórica como geográfica também.
Há sempre um terreno híbrido a se descobrir, então. Qual a razão, por exemplo, do ponto de interrogação após o título da exposição Metrópolis?
É porque não se sabe ao certo o que é uma metrópole.
Mas quem são os protagonistas dessa metrópole? Como se age sobre um terreno tão indefinido e complexo?
Os espaços livres são os grandes protagonistas. Já nos habituamos a analisar a cidade, e a metrópole, por meio do mapa político e das suas construções também, a partir da arquitetura, enfim, mas a ideia é desenvolver o olhar inverso. Ou seja, a proposta é, a partir da vida, das movimentações de pessoas, espaços de encontros, desse novo mapa, criar a vida nas metrópoles. É o tipo de experiência que pretendemos empreender no nosso laboratório de pesquisa lá do escritório.
Há uma arquitetura que não aparece com frequência, que pensa na transformação da cidade. Modesta, mas que transforma o espaço público e permite o refinamento para que se sobressaia a arquitetura fantástica, excepcional
Podemos dizer que a arquitetura, então, perdeu o seu poder transformador, enquanto objeto?
Penso na arquitetura vista globalmente, como um elemento da paisagem. Não apenas no sentido de uma paisagem natural, mas também urbana.
Nesse momento de crise internacional, com ameaças pontuais de dissolução da União Europeia, o que muda, ideologicamente, na atuação dos arquitetos?
Penso que não muda nada. Esta não é uma crise cultural, mas político-econômica. O que importa é pensar que no mapa da Europa há povos, projetos, planos diferentes, de escalas diversas.
Mas é uma crise que coloca em xeque a arquitetura fantástica, da riqueza. Em contraponto, que outra arquitetura há?
Toda uma arquitetura que não aparece com frequência, aquela que pensa na transformação da cidade. Modesta, mas que participa da transformação do quarteirão, do espaço público, dos transportes e, de certa forma, permite o refinamento para que se sobressaia a arquitetura excepcional, fantástica.
Na sua trajetória, quais são os exemplos dessas abordagens arquitetônicas?
A biblioteca de Paris é um exemplo de arquitetura excepcional, que introduziu um novo quarteirão na cidade. Em Berlim, há os projetos do velódromo e da piscina olímpica, que são trabalhos que permitem a colocação em cena de grandes espaços públicos, que costuram espaços completamente isolados. Em Seul, no projeto concebido para a Universidade da Mulher, a ideia de construir uma paisagem, e não um edifício, permitiu abrir a universidade para a vila. Esses projetos não podem ser resumidos através de uma foto de revista, eles trabalham no sentido inverso: o de criação de uma paisagem para se contemplar e viver.
Participar de concursos é uma maneira de exercitar essa linha de pensamento. De que forma se organiza o seu escritório nesse sentido?
O escritório é constituído por muitas equipes, que se encontram em permanente transformação. É um escritório livre, há arquitetos de vários países.
Quantos são?
Somos em 60, em Paris. Há uma diretora de arte, associada, que ajuda nessa tarefa de alinhavar tantos trabalhos. Mas o que garante a qualidade, sendo um escritório tão grande, é que somos essencialmente uma equipe de concepção.
Quais os principais trabalhos em andamento atualmente no seu escritório?
Estamos construindo duas torres em Viena, capital da Áustria, uma com 150 metros de altura e outra com 180 metros. Esta será o edifício mais alto da cidade. Terminamos há pouco de construir uma grande passarela de pedestres em Madri, um projeto formidável, muito simpático, localizado perto da ponte de Toledo. Atualmente também estamos trabalhando muito na Suíça, na Escola Politécnica de Lausanne, no festival de cinema da cidade. Vamos ampliar as áreas e estruturas que acolhem o festival. Por fim, na França estamos desenvolvendo uma porção de trabalhos. Ganhamos recentemente o encargo para reestruturar uma ala do Palácio de Versalhes, que vai acolher o público, abrigará uma sala de chá e outras atividades. É, evidentemente, um projeto de muito prestígio, assim como a renovação que será feita no hipódromo do Prix de l´Arc de Triomphe."

P.S. O endereço deste blog vai ser mudado, em breve, para www.mariliafleury.blogspot.com

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